sábado, 5 de maio de 2012

Diagnosticar e Monitorizar a Artrite Reumatóide

O diagnóstico da AR depende da associação de uma série de sintomas e sinais clínicos, exames imagiológicos e análises laboratoriais que foram descortinados neste trabalho.



ANAMNESE e EXAME FÍSICO

A partir de um questionário adaptado à condição do paciente e de um exame físico, um reumatologista deverá verificar se existem indícios que sugerem inflamação das articulações. Como por exemplo: rigidez matinal superior a uma hora e dor associada a edema em diferentes áreas articulares (grandes e pequenas). A artrite das articulações da mão deve estar presente pelo menos seis semanas antes da Artrite Reumatóide ser diagnosticada.

Em geral, um reumatologista, na conceção de um diagnóstico preliminar para AR deve atender aos seguintes aspetos:

A AR deve ser também considerada, pelo menos inicialmente, em pacientes que apresentam dor aguda poliarticular – sinovite.

A palpação de várias cápsulas articulares é importante. A partir deste exame físico pretende-se procurar tumefação dos tecidos moles e derrames que resultam em edema e influxo de células inflamatórias para dentro e em torno da membrana sinovial.No caso da AR, este edema é simétrico.
Para além disso, à que ter em conta certas particularidades etiológicas:
- Alguns diagnósticos são mais comuns em faixas etárias específicas;
- Antes da menopausa, as mulheres têm de três a quatro vezes maior probabilidade de desenvolver AR. Todavia, após atingir 50 anos de idade, a diferença entre géneros para a AR torna-se menos significativa.

EXAMES IMAGIOLÓGICOS
Os exames imagiológicos permitem a deteção de alterações radiográficas, tais como: erosões das articulações, aumento da área dos tecidos moles e hipervascularização a nível da membrana sinovial.   

 a) RAIO X, RX

As radiografias simples das mãos e dos pés fornecem informações dos danos permanentes na AR sendo importantes na avaliação do curso da doença.

Vários métodos foram introduzidos para a classificação de radiografias simples em pacientes com AR. Os dois métodos mais utilizados na avaliação e classificação de radiografias são com base no trabalho de Sharp e Larsen.

Na imagem:

Raio X parcial da mão

- Aumento do volume dos tecidos moles;

- Erosão das articulações interfalângicas proximais.

 
a1) Método Larsen

O Método Larsen inclui erosões e estreitamento do espaço articular, atribuindo uma nota a cada articulação examinada, numa escala de 0 a 5, de acordo com radiografias de referência (ver tabela).
Todas as articulações sinoviais podem ser incluídas no Método Larsen, e as articulações que são pontuadas devem, por conseguinte, ser listadas, bem como a pontuação máxima aplicada. A classificação final resulta na soma de todas as classificações atribuídas a articulações individuais.



a2) Método Sharp

No método original Sharp, uma pontuação de 0 a 5 é dada a cada articulação analisada (ver tabela).
Este método pode ser aplicado a 16 áreas de cada mão e pulso, cada lado das 10 articulações metatarsofalângicas e 2 articulações intrafalângicas das articulações grandes.
 

Algumas desvantagens são atribuídas à utilização de radiografias para diagnóstico da AR:
- as alterações radiográficas demoram meses a se desenvolver (não são visíveis);
- no início do processo, as radiografias podem ser normais ou mostrar apenas alterações inespecíficas.

b) RESSONÂNCIA MAGNÉTICA, IRM
Estudos têm demonstrado que a imagem por ressonância magnética (IRM) é mais sensível que a radiografia (RX) na demonstração de danos articulares erosivos progressivos.
A IRM é uma técnica importante que fornece imagens de vários planos e pode visualizar uma gama de estruturas articulares, incluindo membrana sinovial, tendões, ligamentos, osso e cartilagem. Não usa radiação, por isso pode ser repetida quantas vezes forem necessárias.
As erosões são visíveis na IRM, em média, dois anos antes de serem visíveis nas radiografias, e erosões das articulações metacarpo-falângicas só podem ser observadas nitidamente em RX, quando 20%–30% do osso estiver com erosão na IRM.


Na imagem: Sinovite Radiocarpal num homem de 36 anos de idade com AR precoce do punho ( 8 meses de duração).

c) ECOGRAFIA MUSCULOSQUELÉTICA, MSKUS

A utilização da ecografia músculosquelético (MSKUS) tem aumentado numa variedade de condições reumáticas, nomeadamente na AR. A MSKUS complementa o exame físico, permitindo uma melhor visualização das mudanças na sinovite erosiva em comparação com a radiografia convencional e fornece detalhes comparáveis ​​ou complementares à ressonância magnética (IRM). Este tipo de exame é menos caro do que o IRM, sem muitas contra-indicações (por exemplo:claustrofobia), e é o único que fornece dinamismo em vez de imagem estática: incluindo imagens de planos colaterais e de outros planos clinicamente indicados.

Os avanços tecnológicos têm também aumentado o valor da MSKUS em doenças reumáticas, incluindo melhorias na escala cinza da imagem (que é baseado no contraste visível a partir de estruturas que aparecem como tons de preto, cinza e branco), e maior sensibilidade graças ao power Doppler - funcionalidade que permite detetar fluxo microvascular na membrana sinovial afetada com hipervascularização (sinalizando com cor).

Na imagem: Ecografia com Power Doppler – Face dorsal do pulso, vista longitudinal – a cor indica hipervascularização ativa e sinovite.

ANÁLISES LABORATORIAIS

a) AUTOANTICORPOS

Ao longo do tempo muitos anticorpos têm sido detetados no sangue de pacientes com AR, mas apenas o fator reumatóide (FR) e os anticorpos antipeptídeos citrulinados cíclicos (anti-CCP) foram incorporados na prática clínica de rotina.

 a1) FACTOR REUMATÓIDE, FR
O termo factor reumatóide (FR) engloba um grupo de auto-anticorpos das classes IgG, IgM e IgA que tem em comum a capacidade de reagir com diferentes epítopos da porção Fc da molécula da imunoglobulina G (IgG) humana.


O FR é encontrado em 75%-80% dos pacientes com AR (seropositivos AR), sendo que 15% dos pacientes durante o primeiro ano da doença são seronegativos para a AR.

O FR não é um marcador específico de diagnóstico para a AR uma vez que pode também ocorrer em outras doenças, incluindo síndrome de Sjögren, crioglobulinemia, lupus e certas infecções como a hepatite C, rubéola, e endocardite bacteriana subaguda. Para além disso o FR também pode ser encontrado em 10% da população adulta saudável, à medida que envelhecem.

Papel dos autoanticorpos no prognóstico de AR erosiva –Resultados:

- As erosões estavam presentes em 67 (64%) e ausentes em 37 (36%) dos pacientes.
- As diferenças nos níveis médios de anti-CCP e em todos os subtipos do factor reumatóide foram significativas entre os dois grupos. Anti-CCP, IgM RF, IgA RF, e IgG RF foram encontrados mais frequentemente em pacientes com erosões do que naqueles sem erosões.
- O resultado positivo para anti-CCP ou FR IgM, ou ambos, foi detectado em 64 (62%) dos casos, demonstrando sensibilidade adicional, obtida através de ambos os parâmetros.
Á partida verifica-se que existe uma relação entre os níveis de anti-CCP e IgM RF. Esta relação foi avaliada pelo coeficiente de correlação de Spearman:

Obteve-se rs= 0,4 , p<0,001, o que indica a existência de uma relação direta.

Contudo os resultados obtidos individualmente para anti-CCP+/ IgM RF+, anti-CCP+/IgM RF- e anti-CCP-/IgM RF+ demostram variações no balanço entre seropositividade e seronegatividade para ambos os parâmetros. Esta situação está descrita na seguinte tabela:

(Vencovsky, J., et al,2003)

Pela análise dos resultados apresentados na tabela, verifica-se que:
- 50 em 67 (equivale a 75%) dos pacientes com doença erosiva apresentaram resultados positivos para ambos ou um destes parâmetros, e isto foi significativamente mais frequente do que resultados positivos em pacientes sem alterações erosivas, que foi encontrado em 14 de 37 (equivale a 38%) pacientes (p<0.001).
- os resultados positivos obtidos para o anti-CCP e IgM FR em pacientes com alterações erosivas e pacientes sem alterações erosivas, mostram que existe aqui uma capacidade de predição para o desenvolvimento erosivo. Esta relação foi avaliada através do teste χ2:

Obteve-se p=0,019 e χ2=9,93.

O valor p é muito pequeno, podemos concluir as duas variáveis estão associadas

Ou seja, existe uma relação entre a quantidade de anti-CCP e FR e o desenvolvimento erosivo em doentes com AR diagnosticada.
Outras observações verificadas pela análise da tabela:
-25 em 30 pacientes (corresponde a 83%) que apresentaram resultado positivo para ambos os testes são do grupo com alterações erosivas. Por outro lado, só 5 em 14 (equivalente a 17%) eram pacientes do grupo sem alterações erosivas. Para além disso, 11 em 14 pacientes (correspondendo a 79%) que obtiveram anti-CCP+/IgM RF- e 14 em 20 (equivalente a 70%) com anti-CCP-/IgM RF+ pertenciam ao grupo com alterações erosivas.


b) BIOMARCADORES DE INFLAMAÇÃO

A análise da atividade inflamatória é importante tanto no diagnóstico como no prognóstico da AR. Os reumatologistas avaliam esta atividade através da taxa de sedimentação dos eritrócitos (erythrocyte sedimentation rate, ERS) e dos níveis séricos de proteína C-reativa (C-reactive protein).


b1) TAXA DE SEDIMENTAÇÃO DOS ERITRÓCITOS, ESR

A ESR é um reagente de fase aguda que aumenta durante uma variedade de estados fisiológicos, incluindo a inflamação.
Os reagentes de fase aguda são resultado do aumento da síntese de proteínas pelos hepatócitos induzido por citocinas inflamatórias, como resultado da lesão de um tecido.
A ESR é uma forma indireta de medição da elevação da concentração de proteínas de fase aguda no plasma, particularmente do fibrinogénio (glicoproteína envolvida nas etapas finais da coagulação sanguínea). Estas proteínas de fase aguda levam à agregação dos eritrócitos, a qual faz com que eles desçam num tubo de ensaio mais rapidamente.
A ESR é elevada durante estados inflamatórios tais como artrite reumatóide activa, mas também a partir de inflamação que pode ocorrer com infeções. Como tal, não é um parâmetro específico para a AR.
Podem surgir resultados anormais para a ESR. Isto é comum durante estados não-inflamatórias, onde a morfologia dos eritrócitos é alterada, por exemplo: anemia, a idade avançadae até as condições e tempo a que a amostra está sujeita.
O calculo da ESR é efectuado a partir da seguinte fórmula:
 


b2) PROTEÍNA C- REACTIVA, CRP

A CRP é outro reagente de fase aguda que aumenta durante a inflamação.
A CRP está presente em concentrações residuais no plasma de todos os seres humanos e liga-se a componentes das membranas celulares e núcleos que são expostos em locais de danos teciduais. Esta proteína pode, assim, sinalizar estes locais para reparação.
A partir de estímulo inflamatório agudo, a concentração de CRP aumenta rapidamente durante 2 ou 3 dias, a picos que geralmente refletem a extensão da lesão do tecido, e na ausência de estímulo contínuo, os níveis séricos diminuem rapidamente. No entanto, os níveis persistentemente elevados são observados em estados inflamatórios crónicos como artrite reumatóide activa.
Tal como a ESR, inflamação pode aumentar a CRP, no entanto, em caso de anemia, aumento da idade e de armazenamento de amostras de sangue a CRP não é alterada de forma significativa.
A ESR e a CRP têm pouca utilidade como testes específicos no diagnóstico da AR, todavia fazem parte dos novos critérios do ACR/ EULAR para a classificação para RA.
 

CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO DA ARTRITE REUMATÓIDE (2010)

Após a descoberta do anti-CCP e da possibilidade de utilizar IRM, os critérios universais criados pela ACR em 1987 tornaram-se obsoletos.

Um grupo de especialista da ACR (American College of Rheumatology) e da EULAR (European League Against Rheumatism) foi formado para desenvolver novos critérios de diagnóstico para AR precoce.

Os critérios incorporam 4 domínios (ver tabela), incluindo os tipos de articulações envolvidas, presença de autoanticorpos, marcadores laboratoriais de inflamação, e duração dos sintomas. Estes critérios são destinados para os pacientes com, pelo menos, uma articulação com sinovite clínica definida (inchaço, não apenas sensibilidade), e no qual a sinovite não é explicada por outras doenças, tais como psoríase, lúpus, ou a gota.
Os pacientes são considerados ter RA se tiverem uma pontuação de pelo menos 6.
Uma vez que estes critérios estão direcionados para o diagnóstico precoce da AR, os pacientes com a doença de longa duração, que se tornou inativa ou menos ativa, mas que satisfizeram estes critérios anteriormente, não deixam de ser classificados com AR.
Os novos critérios são um passo importante para auxiliar no diagnóstico da AR em fase inicial, facilitando uma intervenção precoce e dirigida. No entanto, deve notar-se que estes critérios não se destinam a uma triagem de cuidados primários ou como ferramenta de referência para diagnóstico da AR. São critérios de classificação e não critérios de diagnóstico. Ainda não se sabe se estes critérios são capazes de ser utilizados como critérios de diagnóstico e, se são bem-sucedidos na identificação de pacientes com AR inicial.

 

PARÂMETROS CLÍNICOS PARA TERAPIA DIRIJIDA

Anteriormente, as decisões do médico para o início e modificação de tratamento dependiam, basicamente, de uma avaliação informal da atividade da doença e do estado funcional do paciente.
Durante as visitas aos pacientes, médicos, muitas vezes, determinam o número de articulações inchadas (SJC) e articulações doloridas (TJC) e usam esta informação para mudar o tratamento na ausência de objetivos claros. No entanto, há um certo número de limitações à utilização de SJC e TJC como critérios principais para a terapia de modificação, incluindo pouca eficácia e falha na previsão de lesões articulares progressivas e incapacitação funcional.
Felizmente, muitas ferramentas de avaliação clínica foram desenvolvidas e validadas para quantificar a atividade da doença e o estado funcional do paciente.
Nesta tabela surgem algumas ferramentas mais utilizadas para a avaliação clínica da AR com a respetiva fórmula e classificação:
 
Legenda:

SJC – (swollen joints) - Nº de articulações inchadas
TJC – (tender joints) - Nº de articulações doloridas
mHAQ - modified Health Assessment Questionaire
PGA – Patient Global Assessment
PhGA - Physicians Global Assessment



Enquanto a literatura apoiamedidas terapêuticas dirigidas, utilizando instrumentos válidos para avaliar os resultados de atividade da doença no paciente de forma a melhorar os resultados, existem algumas limitações ligadas a estas ferramentas que devem ser reconhecidas:
  • a avaliação é realizada unicamente a 28 articulações (excluindo outras que também são igualmente afetadas pela AR, por exemplo: tornozelos, anca).
  • potenciais fatores de confundimento a partir dos questionários respondidos pelos pacientes; utilizar medidas objetivas, tais como o ERS ou RCP ou a contagem de articulação pode ajudar a combater esse erro.
  • a avaliação varia segundo a opinião de cada médico.

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