domingo, 6 de maio de 2012

Apresentação do projeto


Este blog foi criado no âmbito do Projeto Curricular Integrado do 1º ano do Mestrado Integrado em Medicina Dentária da Universidade do Porto.
Temos como principal objetivo dar a conhecer ao público em geral, aquela que é a terceira doença reumática mais prevalente em Portugal, a Artrite Reumatóide.
Faz parte também dos propósitos deste trabalho fornecer à comunidade académica uma visão científica mais detalhada, no que concerne a questões biológicas, químicas e epidemiológicas.
Como tudo o que é ciência não é estanque, este blog mantém-se aberto a alterações justificadas por desenvolvimentos em questões relacionadas com a doença supracitada.




O grupo:
Camila Carvalho
Carlos Veiga
Cátia Fernandes
Petra Freitas



Definição e patogenia

A artrite reumatóide (AR) é uma doença multissistémica crónica de etiologia desconhecida, com evidentes características de auto imunidade. Afecta geralmente as articulações periféricas de forma simétrica. Apesar da destruição de cartilagem, das erosões ósseas e as deformações articulares sejam manifestações comuns, a evolução da doença pode ser muito variável. A propagação da AR é um processo de mediação imunológica, em que a lesão articular resulta da hiperplasia sinovial, infiltração linfocítica da sinóvia e produção local de citocinas e quimiocinas por linfócitos, macrófagos e fibroblastos ativados.

Manifestações clínicas


·         Manifestações articulares

o    Poliartrite simétrica das articulações periféricas;

o   Dor;

o   Hipersensibilidade dolorosa;

o   Tumefacção das articulações afectadas;

o   Rigidez matinal;

o   As deformações articulares podem surgir após inflamação persistente;

o   As articulações interfalangianas proximais (IFP) e metacarpofalangianas (MCF) são afetadas mais frequentemente.




·         Manifestações extra-articulares

o   Cutâneas-nódulos reumatóides, vasculite;

o   Pulmonares-nódulos, doença intersticial, bronquiolite com pneumonia; organizada (BOPO), doença pleural, síndrome de Caplan;

o   Oculares-queratoconjutivite seca, episclerite, esclerite;

o   Hematológicas-anemia, síndrome de Felty;





o   Cardíacas-pericardite, miocardite;

o    Neurológicas-meielopatias secundárias, a doença da coluna cervical, aprisionamento de nervos, vasculite.







Dados epidemiológicos da doença

 


Estudos paleopatológicos demonstram clara evidência de AR em tribos nativas da América do Norte, estando ausentes na Europa e Norte de África.
A introdução da doença na Europa é atribuída a  colonizadores espanhóis, ingleses, holandeses e franceses do Sé. XVIII.








sábado, 5 de maio de 2012

Análise Química e Biológica da Artrite Reumatoide



       Como já foi referido na definição da AR, esta doença afeta fundamentalmente as membranas e articulações sinoviais. Estas, quando saudáveis (lado “A” na imagem), apresentam uma camada de revestimento íntima descontínua, composta por sinoviocitos tipo A e B. Estes vão ser a fonte primária de citocinas e proteases. A sinovial conta também com uma matriz fibrosa que inclui vasos sanguíneos e linfáticos, nervos e adipócitos.



As primeiras alterações da matriz passam pelo aumento da celularidade e vascularização e pela infiltração de células linfocitárias na sinovial.



NOTA:
Citocinas– pequenas moléculas proteicas (<30kDa), produzidas por leucócitos e células estruturais, envolvidas na diferenciação das células imunocompetentes e na regulação dos mecanismos efetores das respostas imune e inflamatória. Têm, em regra, uma semivida plasmática curta o que condiciona a sua acção a uma distância curta, contudo, esta ação pode se fazer sentir por via autócrina, parácrina e até endócrina.
O efeito de uma dada citocina resulta de uma cascata biológica de acontecimentos.
 

Classificação estrutural das citocinas: 4 famílias


·  Classe I –família das hematopoietinas (ex: IL-4)
·  Classe II –família do interferão  
·  Classe III –famíla do factor de necrose tumoral (TNF)
·  Classe IV –família das quimiocinas





       Esta patologia, tal como a grande maioria das outras doenças, é causada por uma determinada predisposição genética ou por uma exposição ambiental. No que toca à genética, ocorre sobretudo uma seleção anormal de células T acompanhada de uma elevada produção de citocinas e/ou um aumento da propensão para a ocorrência de citrulinação das proteínas. A citrulinação consiste na remoção da carga positiva de um dos aminoácidos, a arginina, o que provoca alterações conformacionais na proteína que, naturalmente irão interferir com o seu papel no nosso organismo. Por outro lado, a exposição ambiental pode levar a um aumento da reatividade imunológica ou da inflamação não específica, que conduzem a uma produção de citocinas acima do normal que irá ativar sinoviocitos e macrófagos presentes no interior da sinovial. Os sinoviocitos e macrófagos, por sua vez, produzem quimiocinas e vão recrutar linfócitos B e T (estes respondem a antigénios locais, nomeadamente a HLA).

      Independentemente da causa genética ou ambiental, o aparecimento e desenvolvimento da AR dá-se numa conjugação entre eventos celulares como a apoptose, migração e proliferação de células e sinais moleculares coordenados, nomeadamente citocinas, quimiocinas, moléculas de adesão e fatores de crescimento. Estas duas componentes (eventos celulares e sinais moleculares) vão, conjuntamente modificar a sinovial, promovendo o aparecimento dos primeiros sinais da AR.



NOTA:
Quimiocinas– superfamília de pequenas moléculas proteicas (8-16kDa) com elevada homologia, que controlam seletiva e especificamente a adesão, quimiotaxia e ativação leucocitária, estando, por isso, envolvidas quer na inflamação, quer na homeostasia e desenvolvimento orgânico. São as responsáveis pela regulação de todo o processo dinâmico de trânsito celular. As quimiocinas são produzidas essencialmente por monócitos e macrófagos, e também por células estruturais, células endoteliais e fibroblastos.



  Como é que então surge a AR? Num contexto geral, consideremos os linfócitos T e B ativos referidos anteriormente. Estes vão migrar para o interior da articulação, onde vão promover a sua inflamação, levando à produção de auto-antigénios. Estes são apresentados aos linfócitos ainda inativos nas imediações da sinovial e tornar-se-ão ativos, completando esta espécie de ciclo. É também importante considerar a existência de uma rede de citocinas na camada sub-íntima da articulação que amplifica a inflamação e ativa enzimas destruidoras da articulação.




Para se compreender como ocorre a inflamação e destruição articular, é necessário analisarmos mais detalhadamente as células T. Os linfócitos T dividem-se em diferentes subgrupos que acabam por infiltrar-se na sinovial. No entanto, é de particular destaque o grupo das CD4+. As CD4+, por sua vez, dividem-se em dois tipos de células diferentes, ligadas à defesa do organismo e que são induzidas por várias citocinas:

• as Th1 - presentes em doenças autoimunes e segregam citocinas pró-inflamatórias ;
• as Th2 - segregam IL4 e IL10, que têm uma ação inibitória sobre as citocinas produzidas pelas Th1;





  Na figura ao lado estão representadas esquematicamente as diferentes vias de diferenciação das CD4+. Destaque para as Th1 e Th2 que se diferenciaram graças à ação das IL-12, IL18 e IL-4, respetivamente. Também de realçar a relação estabelecida entre as Th1 e Th2 pela ação do IFN-γ (interferão gama) e da IL4. Representam-se também outros subgrupos de células diferenciadas a partir das células T, nomeadamente as Th17 e as Treg com o envolvimento de TGF-β (transforming growth factor beta) na sua diferenciação.
                        
                                                                                                                                                                                                                                                     
  Considerem-se agora os sinoviocitos presentes no interior da articulação, tal como referido mais atrás. Estes podem ser do tipo A (tipo macrófago) ou tipo B (tipo fibroblasto). Estes dois tipos de células vão ativar células adjacentes e estas, por sua vez, ativam outras nas suas imediações, o que conduz a uma amplificação da ação de uma minoria de células inicialmente ativas.


  A relação entre citocinas pró-inflamatórias e citocinas supressoras aparenta inicialmente um equilíbrio em que as supressoras irão contrabalançar os efeitos nefastos das inflamatórias. No entanto, as supressoras são produzidas em concentrações inferiores às inflamatórias, o que faz com que não sejam suficientes para travar a inflamação e que os sintomas da AR continuem a persistir.



NOTA:
Fibroblastos– células que sintetizam a matriz extracelular e colagénio, sendo especialmente importantes no que toca à estrutura dos tecidos, bem como à sua recuperação de danos.


Macrófagos– células que fagocitam elementos estranhos ao organismo, importantes para a defesa do organismo. Têm uma grande afinidade de cooperação com os linfócitos T e B. Apresentam inúmeros recetores, entre os quais para as citocinas pró-inflamatórias e para moléculas de adesão.


  Na teoria, esta relação entre citocinas pró-inflamatórias e supressoras é muito redundante e, por isso, o bloqueio de apenas uma citocina seria o suficiente para controlar a doença. Ao lado, uma imagem que ilustra a rede de citocinas e a sua relação com os diferentes tipos de células.




  Na figura ao lado : Macrófagos (MΦ),sinoviocitos fibroblásticos (FLS) e células T sinoviais produzem citocinas pró-inflamatórias (marcadas com +) que vão atuar sobre si próprias (setas azuis) ou sobre células adjacentes (setas laranja). Também podem segregar citocinas inibitórias (marcadas com -) que suprimem parcialmente a inflamação. As citocinas também estimulam os osteoclastos que são o principal tipo celular responsável pela destruição articular. O RANKL (explicado mais à frente) produzido por FLS e células T (não ilustradas na figura) também ativa os osteoclastos na articulação reumatoide.
No entanto, esta hipótese de bloquear apenas uma ou um pequeno grupo de citocinas revela-se infrutífera na prática, dado que há mais fatores que promovem a expressão da AR.
                                                                                    

  Consequência de toda a inflamação resultante da ação das interleucinas e citocinas, a membrana sinovial inflamada vai expandir-se começando a ser necessária a formação de novos vasos sanguíneos para vascularizar o tecido aumentado. No entanto, acontece que o aumento tecidular é superior à angiogénese, o que faz com que se crie um ambiente com uma baixa concentração de oxigénio. Naturalmente, as células do tecido nesta condição de hipoxia vão ter que recorrer à fermentação lática como forma de obter energia, produzindo lactato e, consequentemente, baixando o pH do meio. O lactato originado vai motivar um aumento da taxa de angiogénese, de forma a que se elimine o défice de oxigénio nas células. Qual é a importância e o impacto que a angiogénese tem na AR?


  O principal problema com a formação de novos vasos para irrigar o tecido tem a ver com a possibilidade de citocinas pró-inflamatórias, juntamente com sinoviocitos tipo B conseguirem chegar a cada vez mais locais. É importante recordar que os sinoviocitos tipo B são os principais produtores de mediadores inflamatórios e que, para além disso, conseguem resistir, até certo ponto à apoptose, tornando mais difícil a sua destruição de forma a minimizar os sintomas da doença. Assim, facilmente se conclui que juntamente com a angiogénese ocorre um aumento massivo da expressão dos sintomas da AR.

  A ação de enzimas como proteinases, catepsinas (da família das proteinases e que são ativadas em meios com pH ácido) e metaloproteases da matriz (ligadas à degradação controlada da matriz extracelular que ajuda à migração das células), juntamente com o desgaste mecânico que decorre do movimento realizado leva a uma progressiva perda de massa peri-articular acompanhada de uma diminuição da densidade óssea; isto que faz com que os pacientes com AR incorram num maior risco de ocorrência de fraturas.





  Como já referido anteriormente, os osteoclastos são os principais responsáveis pela destruição da articulação. No entanto, necessitam de 3 elementos fundamentais para serem ativados e modulados (ver fig. à esquerda):

·  RANK – Recetor Ativador do NkB;
·  RANKL – Ligando do Recetor Ativador do NkB;
·  IL-4, IL-10, entre outras moléculas;



  O NkB é um fator de transcrição nuclear que transcreve do DNA precursores e moléculas pró-inflamatórias.







Relação com o Stress Oxidativo


A AR, como doença autoimune tem uma estreita relação como stress oxidativo: por um lado, a dimensão genética da AR provoca uma má regulação da fosforilação oxidativa e por outro, as células pró-inflamatórias que têm vindo a ser referenciadas também produzem espécies reativas de oxigénio, bem como radicais livres, o que resulta num desequilíbrio que provoca a condição de stress oxidativo.


Basicamente o que acontece é que o ONOO- (radical livre de peroxinitrito) baixa a concentração de grupos tiol (–SH), o que altera o equilíbrio oxidação-redução da glutationa (um antioxidante) para um estado de stress oxidativo. Esta condição induz, por regulação oxidação-redução, o inibidor k-cinase a fosforilar o inibidor kB. O inibidor fosforilado possibilita a translocação do NkB para o interior do núcleo, onde este vai transcrever os mediadores inflamatórios que ativam os osteoclastos destruidores da sinovial. Novamente, é reforçada a persistência da AR.

Diagnosticar e Monitorizar a Artrite Reumatóide

O diagnóstico da AR depende da associação de uma série de sintomas e sinais clínicos, exames imagiológicos e análises laboratoriais que foram descortinados neste trabalho.



ANAMNESE e EXAME FÍSICO

A partir de um questionário adaptado à condição do paciente e de um exame físico, um reumatologista deverá verificar se existem indícios que sugerem inflamação das articulações. Como por exemplo: rigidez matinal superior a uma hora e dor associada a edema em diferentes áreas articulares (grandes e pequenas). A artrite das articulações da mão deve estar presente pelo menos seis semanas antes da Artrite Reumatóide ser diagnosticada.

Em geral, um reumatologista, na conceção de um diagnóstico preliminar para AR deve atender aos seguintes aspetos:

A AR deve ser também considerada, pelo menos inicialmente, em pacientes que apresentam dor aguda poliarticular – sinovite.

A palpação de várias cápsulas articulares é importante. A partir deste exame físico pretende-se procurar tumefação dos tecidos moles e derrames que resultam em edema e influxo de células inflamatórias para dentro e em torno da membrana sinovial.No caso da AR, este edema é simétrico.
Para além disso, à que ter em conta certas particularidades etiológicas:
- Alguns diagnósticos são mais comuns em faixas etárias específicas;
- Antes da menopausa, as mulheres têm de três a quatro vezes maior probabilidade de desenvolver AR. Todavia, após atingir 50 anos de idade, a diferença entre géneros para a AR torna-se menos significativa.

EXAMES IMAGIOLÓGICOS
Os exames imagiológicos permitem a deteção de alterações radiográficas, tais como: erosões das articulações, aumento da área dos tecidos moles e hipervascularização a nível da membrana sinovial.   

 a) RAIO X, RX

As radiografias simples das mãos e dos pés fornecem informações dos danos permanentes na AR sendo importantes na avaliação do curso da doença.

Vários métodos foram introduzidos para a classificação de radiografias simples em pacientes com AR. Os dois métodos mais utilizados na avaliação e classificação de radiografias são com base no trabalho de Sharp e Larsen.

Na imagem:

Raio X parcial da mão

- Aumento do volume dos tecidos moles;

- Erosão das articulações interfalângicas proximais.

 
a1) Método Larsen

O Método Larsen inclui erosões e estreitamento do espaço articular, atribuindo uma nota a cada articulação examinada, numa escala de 0 a 5, de acordo com radiografias de referência (ver tabela).
Todas as articulações sinoviais podem ser incluídas no Método Larsen, e as articulações que são pontuadas devem, por conseguinte, ser listadas, bem como a pontuação máxima aplicada. A classificação final resulta na soma de todas as classificações atribuídas a articulações individuais.



a2) Método Sharp

No método original Sharp, uma pontuação de 0 a 5 é dada a cada articulação analisada (ver tabela).
Este método pode ser aplicado a 16 áreas de cada mão e pulso, cada lado das 10 articulações metatarsofalângicas e 2 articulações intrafalângicas das articulações grandes.
 

Algumas desvantagens são atribuídas à utilização de radiografias para diagnóstico da AR:
- as alterações radiográficas demoram meses a se desenvolver (não são visíveis);
- no início do processo, as radiografias podem ser normais ou mostrar apenas alterações inespecíficas.

b) RESSONÂNCIA MAGNÉTICA, IRM
Estudos têm demonstrado que a imagem por ressonância magnética (IRM) é mais sensível que a radiografia (RX) na demonstração de danos articulares erosivos progressivos.
A IRM é uma técnica importante que fornece imagens de vários planos e pode visualizar uma gama de estruturas articulares, incluindo membrana sinovial, tendões, ligamentos, osso e cartilagem. Não usa radiação, por isso pode ser repetida quantas vezes forem necessárias.
As erosões são visíveis na IRM, em média, dois anos antes de serem visíveis nas radiografias, e erosões das articulações metacarpo-falângicas só podem ser observadas nitidamente em RX, quando 20%–30% do osso estiver com erosão na IRM.


Na imagem: Sinovite Radiocarpal num homem de 36 anos de idade com AR precoce do punho ( 8 meses de duração).

c) ECOGRAFIA MUSCULOSQUELÉTICA, MSKUS

A utilização da ecografia músculosquelético (MSKUS) tem aumentado numa variedade de condições reumáticas, nomeadamente na AR. A MSKUS complementa o exame físico, permitindo uma melhor visualização das mudanças na sinovite erosiva em comparação com a radiografia convencional e fornece detalhes comparáveis ​​ou complementares à ressonância magnética (IRM). Este tipo de exame é menos caro do que o IRM, sem muitas contra-indicações (por exemplo:claustrofobia), e é o único que fornece dinamismo em vez de imagem estática: incluindo imagens de planos colaterais e de outros planos clinicamente indicados.

Os avanços tecnológicos têm também aumentado o valor da MSKUS em doenças reumáticas, incluindo melhorias na escala cinza da imagem (que é baseado no contraste visível a partir de estruturas que aparecem como tons de preto, cinza e branco), e maior sensibilidade graças ao power Doppler - funcionalidade que permite detetar fluxo microvascular na membrana sinovial afetada com hipervascularização (sinalizando com cor).

Na imagem: Ecografia com Power Doppler – Face dorsal do pulso, vista longitudinal – a cor indica hipervascularização ativa e sinovite.

ANÁLISES LABORATORIAIS

a) AUTOANTICORPOS

Ao longo do tempo muitos anticorpos têm sido detetados no sangue de pacientes com AR, mas apenas o fator reumatóide (FR) e os anticorpos antipeptídeos citrulinados cíclicos (anti-CCP) foram incorporados na prática clínica de rotina.

 a1) FACTOR REUMATÓIDE, FR
O termo factor reumatóide (FR) engloba um grupo de auto-anticorpos das classes IgG, IgM e IgA que tem em comum a capacidade de reagir com diferentes epítopos da porção Fc da molécula da imunoglobulina G (IgG) humana.


O FR é encontrado em 75%-80% dos pacientes com AR (seropositivos AR), sendo que 15% dos pacientes durante o primeiro ano da doença são seronegativos para a AR.

O FR não é um marcador específico de diagnóstico para a AR uma vez que pode também ocorrer em outras doenças, incluindo síndrome de Sjögren, crioglobulinemia, lupus e certas infecções como a hepatite C, rubéola, e endocardite bacteriana subaguda. Para além disso o FR também pode ser encontrado em 10% da população adulta saudável, à medida que envelhecem.

Papel dos autoanticorpos no prognóstico de AR erosiva –Resultados:

- As erosões estavam presentes em 67 (64%) e ausentes em 37 (36%) dos pacientes.
- As diferenças nos níveis médios de anti-CCP e em todos os subtipos do factor reumatóide foram significativas entre os dois grupos. Anti-CCP, IgM RF, IgA RF, e IgG RF foram encontrados mais frequentemente em pacientes com erosões do que naqueles sem erosões.
- O resultado positivo para anti-CCP ou FR IgM, ou ambos, foi detectado em 64 (62%) dos casos, demonstrando sensibilidade adicional, obtida através de ambos os parâmetros.
Á partida verifica-se que existe uma relação entre os níveis de anti-CCP e IgM RF. Esta relação foi avaliada pelo coeficiente de correlação de Spearman:

Obteve-se rs= 0,4 , p<0,001, o que indica a existência de uma relação direta.

Contudo os resultados obtidos individualmente para anti-CCP+/ IgM RF+, anti-CCP+/IgM RF- e anti-CCP-/IgM RF+ demostram variações no balanço entre seropositividade e seronegatividade para ambos os parâmetros. Esta situação está descrita na seguinte tabela:

(Vencovsky, J., et al,2003)

Pela análise dos resultados apresentados na tabela, verifica-se que:
- 50 em 67 (equivale a 75%) dos pacientes com doença erosiva apresentaram resultados positivos para ambos ou um destes parâmetros, e isto foi significativamente mais frequente do que resultados positivos em pacientes sem alterações erosivas, que foi encontrado em 14 de 37 (equivale a 38%) pacientes (p<0.001).
- os resultados positivos obtidos para o anti-CCP e IgM FR em pacientes com alterações erosivas e pacientes sem alterações erosivas, mostram que existe aqui uma capacidade de predição para o desenvolvimento erosivo. Esta relação foi avaliada através do teste χ2:

Obteve-se p=0,019 e χ2=9,93.

O valor p é muito pequeno, podemos concluir as duas variáveis estão associadas

Ou seja, existe uma relação entre a quantidade de anti-CCP e FR e o desenvolvimento erosivo em doentes com AR diagnosticada.
Outras observações verificadas pela análise da tabela:
-25 em 30 pacientes (corresponde a 83%) que apresentaram resultado positivo para ambos os testes são do grupo com alterações erosivas. Por outro lado, só 5 em 14 (equivalente a 17%) eram pacientes do grupo sem alterações erosivas. Para além disso, 11 em 14 pacientes (correspondendo a 79%) que obtiveram anti-CCP+/IgM RF- e 14 em 20 (equivalente a 70%) com anti-CCP-/IgM RF+ pertenciam ao grupo com alterações erosivas.


b) BIOMARCADORES DE INFLAMAÇÃO

A análise da atividade inflamatória é importante tanto no diagnóstico como no prognóstico da AR. Os reumatologistas avaliam esta atividade através da taxa de sedimentação dos eritrócitos (erythrocyte sedimentation rate, ERS) e dos níveis séricos de proteína C-reativa (C-reactive protein).


b1) TAXA DE SEDIMENTAÇÃO DOS ERITRÓCITOS, ESR

A ESR é um reagente de fase aguda que aumenta durante uma variedade de estados fisiológicos, incluindo a inflamação.
Os reagentes de fase aguda são resultado do aumento da síntese de proteínas pelos hepatócitos induzido por citocinas inflamatórias, como resultado da lesão de um tecido.
A ESR é uma forma indireta de medição da elevação da concentração de proteínas de fase aguda no plasma, particularmente do fibrinogénio (glicoproteína envolvida nas etapas finais da coagulação sanguínea). Estas proteínas de fase aguda levam à agregação dos eritrócitos, a qual faz com que eles desçam num tubo de ensaio mais rapidamente.
A ESR é elevada durante estados inflamatórios tais como artrite reumatóide activa, mas também a partir de inflamação que pode ocorrer com infeções. Como tal, não é um parâmetro específico para a AR.
Podem surgir resultados anormais para a ESR. Isto é comum durante estados não-inflamatórias, onde a morfologia dos eritrócitos é alterada, por exemplo: anemia, a idade avançadae até as condições e tempo a que a amostra está sujeita.
O calculo da ESR é efectuado a partir da seguinte fórmula:
 


b2) PROTEÍNA C- REACTIVA, CRP

A CRP é outro reagente de fase aguda que aumenta durante a inflamação.
A CRP está presente em concentrações residuais no plasma de todos os seres humanos e liga-se a componentes das membranas celulares e núcleos que são expostos em locais de danos teciduais. Esta proteína pode, assim, sinalizar estes locais para reparação.
A partir de estímulo inflamatório agudo, a concentração de CRP aumenta rapidamente durante 2 ou 3 dias, a picos que geralmente refletem a extensão da lesão do tecido, e na ausência de estímulo contínuo, os níveis séricos diminuem rapidamente. No entanto, os níveis persistentemente elevados são observados em estados inflamatórios crónicos como artrite reumatóide activa.
Tal como a ESR, inflamação pode aumentar a CRP, no entanto, em caso de anemia, aumento da idade e de armazenamento de amostras de sangue a CRP não é alterada de forma significativa.
A ESR e a CRP têm pouca utilidade como testes específicos no diagnóstico da AR, todavia fazem parte dos novos critérios do ACR/ EULAR para a classificação para RA.
 

CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO DA ARTRITE REUMATÓIDE (2010)

Após a descoberta do anti-CCP e da possibilidade de utilizar IRM, os critérios universais criados pela ACR em 1987 tornaram-se obsoletos.

Um grupo de especialista da ACR (American College of Rheumatology) e da EULAR (European League Against Rheumatism) foi formado para desenvolver novos critérios de diagnóstico para AR precoce.

Os critérios incorporam 4 domínios (ver tabela), incluindo os tipos de articulações envolvidas, presença de autoanticorpos, marcadores laboratoriais de inflamação, e duração dos sintomas. Estes critérios são destinados para os pacientes com, pelo menos, uma articulação com sinovite clínica definida (inchaço, não apenas sensibilidade), e no qual a sinovite não é explicada por outras doenças, tais como psoríase, lúpus, ou a gota.
Os pacientes são considerados ter RA se tiverem uma pontuação de pelo menos 6.
Uma vez que estes critérios estão direcionados para o diagnóstico precoce da AR, os pacientes com a doença de longa duração, que se tornou inativa ou menos ativa, mas que satisfizeram estes critérios anteriormente, não deixam de ser classificados com AR.
Os novos critérios são um passo importante para auxiliar no diagnóstico da AR em fase inicial, facilitando uma intervenção precoce e dirigida. No entanto, deve notar-se que estes critérios não se destinam a uma triagem de cuidados primários ou como ferramenta de referência para diagnóstico da AR. São critérios de classificação e não critérios de diagnóstico. Ainda não se sabe se estes critérios são capazes de ser utilizados como critérios de diagnóstico e, se são bem-sucedidos na identificação de pacientes com AR inicial.

 

PARÂMETROS CLÍNICOS PARA TERAPIA DIRIJIDA

Anteriormente, as decisões do médico para o início e modificação de tratamento dependiam, basicamente, de uma avaliação informal da atividade da doença e do estado funcional do paciente.
Durante as visitas aos pacientes, médicos, muitas vezes, determinam o número de articulações inchadas (SJC) e articulações doloridas (TJC) e usam esta informação para mudar o tratamento na ausência de objetivos claros. No entanto, há um certo número de limitações à utilização de SJC e TJC como critérios principais para a terapia de modificação, incluindo pouca eficácia e falha na previsão de lesões articulares progressivas e incapacitação funcional.
Felizmente, muitas ferramentas de avaliação clínica foram desenvolvidas e validadas para quantificar a atividade da doença e o estado funcional do paciente.
Nesta tabela surgem algumas ferramentas mais utilizadas para a avaliação clínica da AR com a respetiva fórmula e classificação:
 
Legenda:

SJC – (swollen joints) - Nº de articulações inchadas
TJC – (tender joints) - Nº de articulações doloridas
mHAQ - modified Health Assessment Questionaire
PGA – Patient Global Assessment
PhGA - Physicians Global Assessment



Enquanto a literatura apoiamedidas terapêuticas dirigidas, utilizando instrumentos válidos para avaliar os resultados de atividade da doença no paciente de forma a melhorar os resultados, existem algumas limitações ligadas a estas ferramentas que devem ser reconhecidas:
  • a avaliação é realizada unicamente a 28 articulações (excluindo outras que também são igualmente afetadas pela AR, por exemplo: tornozelos, anca).
  • potenciais fatores de confundimento a partir dos questionários respondidos pelos pacientes; utilizar medidas objetivas, tais como o ERS ou RCP ou a contagem de articulação pode ajudar a combater esse erro.
  • a avaliação varia segundo a opinião de cada médico.